A decadência da civilização humana, um dos temas preferidos de Robert Howard, é o centro deste conto.
Por Etienne Navarre
Publicado com o título de The Slitering Shadow (A Sombra Deslizante), Xuthal do Crepúsculo, que é o nome desta história, apareceu pela primeira vez na revista Weird Tales de setembro de 1933. Nele, mais uma vez vemos um dos temas que mais interessavam a Howard: a decadência da civilização humana. Usando uma cidade no deserto, outrora rica e auspiciosa, que Conan e a escrava Natala a encontram quando toda a sorte estava contra eles. Através de reviravoltas na história e vislumbres do declínio do lugar, tem uma descida a uma espécie de inferno na própria cidade, onde pesadelos sem nome moram nas profundezas , uma espécie de criatura que é um horror sem nome que atormenta os habitantes daquela cidade , outrora educados e cultos, mas que perderam tudo por causa da lascívia.
Escrito no final de 1932, logo após Sombras de Ferro ao Luar, Farnsworth Wright não teve objeções em admiti-lo para publicação em Weird Tales, garantindo-lhe a capa apesar do óbvio conteúdo sexual que algumas cenas exalavam; na verdade, era o que se buscava na época. Sobreviventes do exército destruído do Príncipe Almuric, Conan e Natala se encontram perdidos no deserto estígio, sem provisões, à beira da morte. No meio do deserto, os dois encontram uma cidade, Xuthal, onde decidem entrar em busca de comida, água e abrigo. A cidade parece abandonada, mas nem tudo é o que parece: o homem aparentemente morto que eles encontram ao lado da porta de repente se levanta e ataca Conan sem dizer uma palavra, e o cimério reage matando ele.
A cidade, na verdade, é habitada por uma raça de seres que passam a vida dormindo devido à ingestão de uma planta, o lótus negro, que os mergulha em sonhos evocativos. E ainda, nele vive desde tempos imemoriais uma criatura hedionda, Thog (a sombra deslizante do título), que de vez em quando se alimenta de seus habitantes, que aceitam seu destino fatal sem se importar, de tal forma que já estão à beira da extinção, sonhando ou morrendo. O texano acrescenta outro personagem, o de uma princesa estígia chamada Thalis que sente um forte desejo pelo cimério e tenta mantê-lo na cidade, matando Natala: na cena "mais forte" da história, portanto aquela que Margaret Brundage pegou em sua capa, onde a estígia chicoteia a garota impiedosamente, tendo ela acorrentada.
Thog é o deus da cidade, um ser lovecraftiano, que parece ser uma entidade aparentada com Tsathoggua, ou um dos seres mais próximos a ele: durante sua luta com Conan, Howard nos dá algumas pistas sobre sua origem: Conan não consegue cortar sua carne normalmente, sua cabeça é parecida com um sapo ; é uma figura imensa, escura, difícil de descrever. Tsathoggua às vezes é chamado de Caos Rastejante. Thog é também um ser de natureza lúbrica e libidinosa, um ser reptiliano cheio de tentáculos, e Howard o descreve também como dotado de grande poder sexual e perturbadoramente sedutor, neste trecho em que ele toca Natala:
"Ela grita ao sentir sua carne sendo tocada! A sensação é indescritível! Os membros não são nem frios, nem quentes... nem ásperos, nem lisos... Ao sentir tais carícias, ela conhece um medo e uma vergonha como jamais havia sonhado! Toda obscenidade e infâmia produzidas nas fossas libidinosas da vida parecem transbordar num mar de imundície cósmica! Naquele momento, ela sente prazer e nojo. Desejo e repulsa pela besta disforme!"
Na cidade, após ser traído por Thalis, Conan é confrontado com forças hostis em número superior, e abre caminho com sua espada, derrubando qualquer um que fique em seu caminho, e finalmente recebe punições corporais brutais ao confrontar a criatura que domina a cidade com sua presença assustadora : "O cimério não tinha forças nem para falar, mas seus lábios feridos esboçaram um leve sorriso, ao aproximar-se da garota. Seu peito peludo, brilhante de suor e sangue, ofegava intensamente. Levantou os braços com grande esforço e cortou as cordas que mantinham a jovem amarrada na parede. Logo, caiu de costas sobre esta, com as trêmulas pernas separadas, que já não o sustentavam por mais tempo. A jovem ergueu-se de onde havia caído e o abraçou, soluçando histericamente. - Oh, Conan, você está gravemente ferido! Oh! O que faremos? - Não se pode lutar contra um demônio dos infernos e sair-se bem da luta. – disse o cimério, ofegando." Esta é uma das histórias de Howard em que o cimério foi mais bem caracterizado, neste caso por meio de seu relacionamento com Natala. Conan não amava a jovem brithuniana, mas se importava com ela o suficiente para procurá-la por toda a cidade e não estar disposto a deixá-la sem ela; outra característica do cimério, é que ele foi capaz de dar à jovem seu último gole de água e depois se preparar para matá-la para que ela não sofresse a agonia da fome e da sede do deserto. E acima de tudo, a história mostra que o bárbaro é um sobrevivente nato: seu objetivo não era matar Thog, mas escapar de Xuthal com Natala.
Um dos elementos usados por Howard, o lótus negro que proporciona o ambiente onírico dos cidadãos de Xuthal, seria usado no ano seguinte em O Diabo de Ferro com os habitantes de Xapur, e esse recurso traria informações importantes para poder situar ambas as histórias cronologicamente dentro da saga do Conan, informações que, no entanto, passariam despercebidas por P. Schuyler Miller e John D. Clark na época que fizeram seu conhecido ensaio Um Perfil Provável da Carreira de Conan. Esse erro de Miller e Clark, por sua vez, se arrastaria para a própria cronologia estabelecida pelos romances de Lancer e, conseqüentemente, também para aquela seguida por Roy Thomas nos quadrinhos da Marvel. O erro foi que Miller e Clark colocaram Xuthal do Crepúsculo próximo a O Povo do Círculo Negro ,colocando-o depois que Conan desistiu de sua tentativa de unir as diferentes tribos das montanhas do Leste e construir um império, retornando então aos reinos hiborianos ocidentais e juntando-se ao exército mercenário do Príncipe Almuric de Koth, um exército que acabaria sendo devastado pelos estígios ao sul de Kush, sendo justamente aquele ponto de partida de onde A Sombra Deslizante começou. Mas o próprio Robert E. Howard, em sua carta de março de 1936 para Miller e Clark, já havia indicado a ambos os autores que sua cronologia não era inteiramente correta: “Sua cronologia segue sua carreira de muito perto. As diferenças são mínimas ”. Talvez uma das diferenças das que falou Howard seria colocar Xuthal do Crepúsculo depois de O Diabo de Ferro ter acontecido, como um dos maiores especialistas na obra de REH iria acabar mostrando em 1997, o americano Joe Marek.
Marek, um membro proeminente da REHupa (abreviação de Robert E. Howard United Press Association, uma sociedade de imprensa criada em 1972 e dedicada ao trabalho de Robert E. Howard, publicou em dezembro de 1997 e fevereiro de 1998, um artigo intitulado "Alguns comentários sobre cronologias em relação à série de Conan", onde ele concorda em grande parte com a cronologia inicial estabelecida por Miller e Clark, mas a considera errada em alguns pontos , sendo um deles a localização de Xuthal do Crepúsculo, que deveria ocorrer antes de O Diabo de Ferro, nunca depois, pois os termos que Conan utilizou nesta história deixam pouco espaço para dúvidas: "As últimas palavras da jovem não passaram de um murmúrio quase ininteligível. Seus olhos escuros se fecharam e seus enormes cílios caíram sobre suas bochechas sensuais. O corpo franzino da garota relaxou nos braços de Conan. O gigante cimério olhou para ela com curiosidade. Parecia fazer parte da ilusão que assombrava toda a cidade, mas a carne firme em suas mãos o convenceu de que havia um ser humano em seus braços e não a sombra de um sonho. Um pouco preocupado, ele deixou a jovem sobre as peles do estrado. Seu sono era muito profundo para ser natural. Conan pensou que talvez ela fosse viciada em alguma droga, possivelmente o lótus preto de Xuthal".
Então, se Conan tinha estado em Xuthal e conhecia os efeitos do lótus negro, Xuthal do Crepúsculo teria acontecido antes de Conan chegar à ilha de Xapur no Diabo de Ferro e ver seus efeitos. A teoria de Joe Marek era difícil de refutar vendo os termos usados por Howard, e em 2003, Dale Rippke, outro dos membros proeminentes da REHupa, que daria razão à teoria de Marek em sua revisão da cronologia clássica , “The Dark Storm Conan Chronology” definindo Xuthal do Crepúsculo depois de A Rainha da Costa Negra e Um Focinho no Escuridão.
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