ROTEIRO DE MARCO COLLARES PARA O PODCAST DA RAIO LASER LASERCAST 17
Por Marco Collares
Pois bem. Fui convidado para uma conversa sobre o bárbaro Conan, em um podcast – Lasercast – com o pessoal do site, Raio Laser, especializado em HQs e no qual também faço parte com textos e artigos. Eles fizeram um roteiro geral e fui preenchendo os pontos que seriam debatidos no programa. Agora, o Fórum Conan, o Bárbaro e o próprio Raio Laser publicam na íntegra alguns pontos do roteiro a partir do texto que fiz para responder aos tópicos do bate papo.
1. Relato pessoal: como conheceu Conan e qual foi o impacto desse encontro.
Eu conheci o personagem primeiramente pelos filmes, primeiro “Conan, The Destroyer” e depois, Conan The Barbarian (na ordem inversa às produções). Depois vieram as HQs de Conan, por volta de 1992-1993. Tive contato antes dos super-heróis, de um vizinho que me emprestava. Depois comecei a colecionar super-heróis, como X-Men e aos poucos fui ampliando minhas leituras e coleção, mais da Marvel do que da DC, por volta de 1994. Em 1997, tive uma comics shop em minha cidade e já era um colecionador de quadrinhos de modo geral. Nas grandes editoras, tinha predileção por X-Men, Demolidor, especiais do Batman e Conan, principalmente as revistas em formato magazine (ESC e Conan Saga).
2. Sobre o sucesso da Espada Selvagem de Conan no Brasil.
A Espada Selvagem de Conan foi uma revista em quadrinhos para adultos, se tornando mensal depois de iniciar bimestral, pela Editora Abril. Ela narrava as aventuras do personagem Conan e também de outros personagens de Robert Howard, incluindo Kull, Solomon Kane, Bran Mak Morn e Red Sonja. Lançada em 1984 e publicada até 2001, ela teve 205 números, sendo a edição brasileira uma versão da revista americana, Savage Sword of Conan, surgida em 1974, no formato “magazine” e também em preto e branco. Como “magazine”, a Savage Sword of Conan não teve que se adequar ao Comics Code Authority, o código de autocensura das grandes editoras, adotado a partir de 1954. A revista brasileira tinha no total, 68 páginas e além das aventuras do Cimério, trazia algumas histórias curtas de outros personagens howardianos. As edições originais passaram a ser republicadas em 1991 (com 57 edições) e houve também treze revistas coloridas.
3. A questão da arte e dos roteiros orientados para leitores mais maduros.
A chamada CMAA - Comics Magazine Association of America ou Associação Americana de Revistas em Quadrinhos era uma organização a qual foi atribuída a autoridade pela observância da aplicação do famigerado "Código dos Quadrinhos" (Comic Code Authority), sendo criada na década de 1950 pelas editoras. Era uma forma de autocensura no conteúdo dos quadrinhos americanos, meio que uma resposta a uma recomendação do Congresso e ao clamor moralista insuflado pelo psiquiatra de origem germânica, Fredric Wertham, autor do livro Seduction of the Innocent. Essa auto-regulamentação modificou o conteúdo das revistas em quadrinhos, tanto na escolha das cores, nos temas e nas palavras. Todas as edições e títulos que ostentavam o selo nas capas, seguiam um padrão moralizante. Oficialmente o código deixou de ser usado somente no século XXI, mas na prática, as editoras burlavam de todas as formas, principalmente a partir de meados da década de 1970.
O Comics Code surgido seguia uma adaptação de códigos anteriores existentes, tanto na DC Comics, quanto na Archie Comics, a editora que comandava a respectiva associação. A grande prejudicada com a censura foi seguramente a editora, EC Comics que publicava títulos de horror, contendo um viés pulp de erotismo em suas capas e narrativas. Várias publicações da EC foram citadas por Wertham em seu livro, como sendo de mau gosto e como influências nefastas sobre os jovens, tornando-os “delinquentes juvenis”. Como forma de evitar censuras em suas distribuições e vendas da Revista Mad, a EC adotou um formato diferente daqueles das comics, comuns as revistas em quadrinhos de super-heróis e passou para o formato “magazine”, com 21,5 x 28 cm, formato conhecido no Brasil por ser usado em revistas semanais de notícias do porte de uma Veja. Ao adotar o mesmo formato para uma revista em preto e branco de Conan, tanto nos EUA (1974) como no Brasil (1984), as edições fugiram das restrições do código. Com isso, as narrativas de Conan eram mais adultas, contendo erotismo, certa nudez, dozes elevadas de violência. Puderam então adaptar mais fielmente as narrativas de Howard e alcançaram públicos mais adultos e mais exigentes, tornando-se fenômenos de vendas.
4. Alguns dos desenhistas mais emblemáticos de Conan.
Existem muitos ilustradores incríveis que passaram por Conan, tanto nas narrativas como nas capas de suas revistas. Nomes como de um Quique Alcatena, Thimot Thruman, também roteirista, Tomás Giorello, mais recentes na Dark Horse se juntam a nomes já canônicos dos tempos mais antigos, ilustradores do porte de Joe Jusko ou Earl Norem. Abaixo, uma pequena lista dos nomes mais conceituados, segundo muitos fãs e especialistas.
John Buscema
Nascido Giovane Natale Buscema, no Brooklyn de Nova Iorque, no dia 11 de dezembro de 1927, John Buscema (nome artístico) demonstrou interesse em desenhos desde a infância, copiando as tiras do marinheiro Popeye. Quando já era um adolescente, ele começou a ler revistas de super-heróis, bem como tiras clássicas do porte de um Tarzan ou um Príncipe Valente, de Hal Foster, um Flash Gordon do incrível Alex Raymond e um Terry e os Piratas de um Milton Caniff.
Buscema também se interessou pelos desenhos de propagandas, como aqueles produzidos por N.C. Wyeth, Norman Rockwell, Dean Cornwell, Coby Whitmore, Albert Dorne e Robert Fawcett, tendo também influências das pinturas dos artistas italianos da Renascença.
Pretendendo se tornar um grande ilustrador, Buscema se formou na Escola Secundária de Música e Arte de Manhattan, tendo também aulas noturnas no Instituto Pratt, além de frequentar classes de modelos vivos no Museu do Brooklyn, o que lhe conferiu a primazia na anatomia. Enquanto ele treinava boxe (uma coincidência com Robert Howard), ele fazia pinturas de lutadores e chegou até a comercializar alguns desses desenhos para o jornal, The Hobo News.
Ele também procurava trabalhos como desenhista de propagandas, e logo se dirigiu até a Timely Comics por volta de 1948. Foi ali que ele conheceu o editor-chefe e diretor de arte da editora que se tornaria a Marvel, Stan Lee. Pertenciam à equipe criativa da Timely na época, alguns artistas veteranos do porte de Syd Shores, Carl Burgos, Mike Sekowsky, George Klein e Marty Nodell, além do freelancer, Gene Colan.
Por volta de 1951, Buscema serviu no exército até receber baixa honrosa devido a uma úlcera. Ele continuou, no entanto, trabalhando como temporário na Timely, agora denominada de Atlas Comics, o mesmo valendo para outras diversas editoras. Podemos listar uma Ace Comics, Hillman Periodicals, Our Publications/Orbit, Quality Comics, St. John Publications e Ziff-Davis.
O fato é que Buscema passou oito anos se dedicando ao ramo publicitário, ligado a Agência Chaite e ao estúdio Triad, produzindo nos mesmos uma variedade de tarefas: leiautes, storyboards, ilustrações, capas de livros, etc e isso para as mais diversas mídias. Ou seja, os quadrinhos não eram o centro de sua carreira e ele sempre se considerou um operário da indústria, alguém que estaria no ramo apenas pelo dinheiro, de modo a conquistar outros mercados e mercados artísticos.
Por volta de 1966, Buscema está de novo nos quadrinhos, agora como um artista freelance regular na Marvel Comics, assumindo os leiautes do “rei” Jack Kirby, mais especificamente para a revista “Nick Fury, Agent of S.H.I.E.L.D”, seguida de três aventuras do Hulk para a revista “Tales to Astonish”, de novembro de 1966 e janeiro de 1967.
Logo ele se tornou também o desenhista regular de “The Avengers”, começando no número 41, por volta de junho de 1967. O grande argumentista e redator da época, Roy Thomas chegou a citar “The Avengers” entre 49 ao 51 como as “revistas melhores desenhadas do período”. Estamos falando da época em que Kirby era o grande nome das ilustrações da Marvel.
Em “The Avengers” de junho de 1967 a março de 1969, Buscema introduziu o personagem Visão; ele ilustrou também as primeiras oito edições de “Namor, The Sub-Mariner”, entre maio-dezembro de 1968. Em, “The Amazing Spider-Man” de junho de 1969 até a metade de 1970, o traço de Buscema foi arte-finalizado por nomes como John Romita ou mesmo Jim Mooney, estando a frente também do novo título, “The Silver Surfer”.
Um detalhe interessante é que os roteiros filosóficos do super-herói cósmico que tentava entender o mundo, tornou a série aquela favorita do editor-chefe Stan Lee, que a escrevia. Buscema desenhou 17 das 18 revistas da série, mesmo que ele não gostasse muito de ilustrar super-heróis, ansiando para sair do gênero. Mesmo assim, Roy Thomas afirmou que Buscema considerava a aventura em “Silver Surfer” número 4, de julho de 1969 e que trazia uma grande batalha entre o Surfista Prateado e Thor, como seu “ponto alto para a Marvel”.
Com a saída de Kirby da Marvel em 1970, Buscema substituiu o lendário ilustrador e criador em “Fantastic Four” e também em “The Mighty Thor”, sendo ele regularmente arte-finalizado por Joe Sinnott e ocasionalmente por vários artistas reconhecidos. De Verpoorten, passando por Vince Colletta até o filipino, Tony DeZuniga.
Mas a questão mesmo é a relação com Conan. Isso porque Buscema começou na revista “Conan the Barbarian” no número 25, de abril de 1973, substituindo o festejado Barry Smith, que tinha iniciado a epopeia do cimério na “Casa das Idéias”. Na revista magazine, “Savage Sword of Conan”, ele foi escolhido como o artista já a partir do primeiro nome, de agosto de 1974. Com o seu trabalho nessas duas revistas, e que alcançariam quase 200 aventuras do bárbaro famoso ao longo do tempo, Buscema se tornaria um dos mais produtivos artistas a trabalhar com um único personagem. Ele foi um dos principais ilustradores do cimério, sendo considerado por muitos fãs o maior nome das ilustrações do personagem.
Buscema tinha conseguido seu intento, visto que ele abandonou o trabalho regular com os super-heróis, de que tanto tinha aversão e se concentrou nos títulos do Conan, considerado um bom desafio devido a seu estilo de aventuras mais humanas e verossímeis, apesar de toda a fantasia em sua Era Hiboriana. Foi a grande popularidade do personagem, na revista em preto e branco que mais vendeu na história da Marvel, que levou a realização do filme “Conan the Barbarian” de 1982. Buscema, claro, fez desenhos e pinturas para o respectivo filme.
Ele deixou a revista “King Conan” no mesmo ano e isso após nove edições. Logo, ele igualmente trabalhou no relançamento do rei Kull, numa série de dez edições. Por volta de 1984, Buscema deixou “The Savage Sword of Conan”, mais especificamente no número 101. Após realizar a adaptação do filme, “Conan the Destroyer”, do mesmo ano, bem como ilustrar a graphic novel “Conan of the Isles” em 1987, Buscema deixou “Conan the Barbarian” na edição 190, nesse mesmo ano, terminando sua associação de quatorze anos com o grande personagem de Howard.
Em novembro de 1991, ele se juntou novamente a Roy Thomas uma vez mais na revista “The Savage Sword of Conan, número 191 e continuou por mais de 20 números na empreitada, nessa segunda passagem. “Conan the Rogue” foi uma graphic novel planejada, desenhada, pintada e colorida por Buscema, que pela mesma época também desenhou e arte-finalizou “The Avengers Annual”, essa em 1994 e mais cinco aventuras em preto e branco de “The Savage Sword of Conan em 1995.
Ele ilustrou também, “Conan the Savage”, número 10, de maio de 1996, trabalhando na mesma época em minisséries do porte de “Cosmic Powers Unlimited” e nas revistas “Doom 2099”, “Fantastic Four 2099”, “Thor”, “Silver Surfer”, incluindo aqui o especial, “Silver Surfer/Rune”.
Buscema entrou em uma semi aposentadoria por volta de 1996, estando então com 68 anos de idade. Ele desenhou e arte-finalizou uma curta história em preto e branco chamada “Shadows and Light”, de 1998 e fez um último retorno ao Conan em “Death Covered in Gold”, uma minissérie em três partes, de 1999. “Big John”, como era chamado morou em Port Jefferson, Nova Iorque e em Long Island e na época de sua morte ele, estava casado com Dolores Buscema, tendo dois filhos com ela: John Jr. e a filha Dianne. Sem dúvida que um grande nome a popularizar Conan ao lado de Roy Thomas e Frank Frazetta.